- Escrito por Dâniele Melo Patricio | Publicado em: 27 de Fevereiro de 2014
Resumo:
Este estudo trata sobre aspectos
psicológicos, sociais e sociodemográficos que influenciam e/ou
determinam a relação entre uso/abuso de álcool e suicídio, e a atuação
do profissional da psicologia na identificação e tratamento de
alcoolistas que apresentam comportamento suicida. O método escolhido
para a realização deste estudo fundamentou-se na pesquisa qualitativa,
de cunho exploratório, bibliográfico e documental. O estudo verificou
que o transtorno por uso de álcool e outras substâncias aumenta
significativamente o risco de suicídio e a análise focou como universo
de pesquisa a cidade de Lages - SC, onde, entre os anos de 2006-2009, 49
pessoas cometeram o suicídio. Os resultados indicam a atuação do
profissional da psicologia na identificação de indivíduos que apresentam
comportamento suicida como fundamental para identificar possíveis
riscos de outras tentativas de suicídio, e assim desenvolver um plano de
intervenção com os recursos psicoterápicos mais utilizados pelos
Psicólogos.
Palavras-chave: Alcoolismo, Suicídio, Tratamento psicoterapêutico
1. Introdução
O consumo de bebida alcoólica ultrapassa gerações e padrões sociais,
tem ocorrido em todas as culturas e os prejuízos causados em razão do
consumo dessa substância são registrados desde a antiguidade. Estudos
mostram que o uso demasiado de bebidas alcoólicas produz efeitos
prejudiciais aos seres humanos, quer seja em relação aos fatores
biopsicossociais ou individuais (GIGLIOTTI e BESSA, 2004) e são uma das
causas do suicídio.
Considerando a gravidade dos problemas relacionados ao alcoolismo e
sua relação com as taxas de suicídio em Lages-SC, neste trabalho são
registrados os aspectos psicológicos e sociais que influenciam e/ou
determinam a relação entre uso/abuso de álcool e suicídio. Segundo
Laranjeira et al (2003, p. 15), não há quantidade segura quando
se trata da ingestão de substâncias desse porte, porque há “[...]
indivíduos que bebem eventualmente, mas são incapazes de controlar ou
adequar seu modo de consumo”, acarretando em problemas sociais (como
brigas, falta de emprego etc.), físicos (acidentes) e psicológicos.
Deste modo, para os profissionais da psicologia é de fundamental
importância investigar todas as formas de comportamentos resultantes do
consumo de álcool que antecedem o suicídio, para informar a sociedade a
respeito dos fatores desencadeantes do suicídio por uso do álcool.
Nessa perspectiva, considera-se que quanto mais informações
adquiridas pelos profissionais de saúde, especificamente o psicólogo,
melhor será o planejamento para uma possível abordagem terapêutica,
lembrando-se que cada indivíduo é diferente do outro e que o álcool,
assim como outras drogas, atua de modo negativo no controle, na
motivação, na atitude interna e contribui materialmente para o impulso
do comportamento suicida (SOLOMON e PATCH, 1975).
Como relevância social, este trabalho buscou informar à sociedade
sobre o risco do uso/abuso de álcool e suicídio. Cientificamente,
proporcionar à comunidade acadêmica e outros profissionais da área da
saúde melhor compreensão sobre a relação suicídio/alcoolismo, visando à
elaboração de estratégias de prevenção/intervenção em equipe
interdisciplinar.
Este estudo teve como objetivo geral identificar os aspectos
psicológicos e sociais que influenciam e/ou determinam a relação entre
uso/abuso de álcool e suicídio, dentre eles os fatores
sociodemográficos; verificar a atuação do profissional da psicologia na
identificação de pacientes que apresentam comportamento suicida e a
possibilidades de tratamento de alcoolistas e potenciais suicidas.
2. Fundamentação Teórica
O uso de bebidas alcoólicas é um hábito tão antigo quanto à própria
civilização. Os efeitos benéficos sociais do uso moderado do álcool não
podem ser medidos, mas certamente não podem ser negados. Como droga
psicoativa mais utilizada em todo o mundo, tem sido responsável por 50%
dos casos de morte em acidentes de trânsito e causa de aproximadamente
50% dos homicídios e 25% de suicídios (SAIDEMBERG, 2001). Para a
Organização Mundial de Saúde (OMS), classifica-se como alcoolista a
pessoa que ultrapassa os padrões de consumo de bebidas alcoólicas e
torna-se dependente das mesmas, o que acarreta em graves problemas para o
indivíduo, pessoas próximas, comunidade e torna-se problema de saúde
pública.
De acordo com Nardi (2006), o uso crônico e excessivo de substâncias
alcoólicas resulta em problemas físicos, psiquiátricos, ocupacionais e
familiares. Segundo Lourenço (2001, p. 137), trata-se de um grave
problema médico-social e um dos malefícios mais frequentes no mundo,
cujo tratamento tem resultado terapêutico limitado. Para Saidemberg
(2001), o álcool produz efeitos depressores sobre o sistema nervoso
central, porém efeitos paradoxalmente estimulantes ou euforizantes são
observáveis em alguns alcoolistas, sendo que a maioria deles sofre
desaprovação social, desenvolve sérios problemas de saúde e tende a
negar a dependência.
O alcoolismo é, sem dúvida, a mais frequente das toxicomanias e a
Organização Mundial da Saúde estima que sua prevalência esteja em torno
de 13% da população, o que é alarmante. É mais frequente nos homens do
que nas mulheres e o uso excessivo dessa substância comumente inicia-se
entre 20 e 24 anos, sendo que a maior incidência de psicoses
relacionadas ao alcoolismo ocorre na quinta década de vida. Alguns
transtornos mentais encontram-se corroborando para o consumo do álcool,
tais como: ansiedade; pânico; fobias; depressão e esquizofrenia e,
muitas vezes, o uso do álcool serve como sedativo para inquietação,
ansiedade e insônia (SAIDEMBERG, 2001).
Para Cassorla (2004, p. 21), o suicídio é “a morte de si mesmo”,
portanto voluntária e consciente. Assim, qualquer definição de suicídio
reflete a intenção pessoal de morrer e muitas pessoas tentam o suicídio
ou se autoagridem com tal seriedade a ponto de precisarem de cuidados
médicos. Simonetti (2004, p. 132) assevera que “todo mundo já pensou,
algum dia, na ideia de resolver alguma situação difícil morrendo, mas
isso como uma ideia fugaz, passageira. É algo normal”. Para o autor, a ideação suicida
é caracterizada quando a pessoa tem a ideia frequente de tirar a
própria vida. Esse é o primeiro nível de gravidade a ser identificado em
uma triagem de saúde mental.
O plano suicida ocorre “se além de ter tal ideia a pessoa
estiver fazendo um plano, considerando como, quando e onde consumaria o
fato e tomando providências concretas nesse sentido”, esse é o segundo
nível de gravidade (SIMONETTI, 2004, p.132). Juntos, a ideação e planos suicidas
dão origem ao terceiro e mais grave nível, quando “a pessoa dispõe de
meios efetivos para consumar o plano, tais como fácil acesso a armas de
fogo, venenos, acesso a lugares altos etc.” Na relação entre suicídio e
alcoolismo, em alguns casos, na fase da abstinência alcoólica o
indivíduo fica totalmente descontrolado e a única saída encontrada para
aliviar este sintoma é o suicídio.
3. Dados estatísticos sobre o uso de Álcool e sobre Suicídio
Segundo Bahls e Botega (2007), dentre os transtornos mentais
relacionados ao suicídio encontra-se o alcoolismo ou transtorno por
abuso de substâncias psicoativas. Em uma pesquisa desenvolvida pelos
autores nos EUA constatou-se que 25 a 50% das mortes por suicídio
encontram-se relacionadas ao uso e abuso de substâncias e álcool. A
morte por suicídio relacionado ao transtorno de uso de álcool na
população estudada ao longo da vida de cada indivíduo apresentou um
percentual de 2 a 18%.
Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (Ministério da Saúde,
2009), o Brasil ocupa a 10ª posição dentre os demais países no mundo em
números de suicídios e as estimativas apontam que entre 10 a 20% dos
brasileiros sejam alcoolistas. “Um estudo epidemiológico no Brasil
obteve prevalência de 11,2% de dependentes de álcool, sendo 17,1% entre
os homens e 5,7% entre as mulheres” (VIEIRA, SERAFIM e SAFFI, 2007, p.
247).
Estima-se que aproximadamente 815 mil indivíduos se suicidaram em
2000. No ano de 2004, das 127.470 mortes por causas externas, 8.017
delas (6,3%) foram por suicídio (PONCE, ANDREUCCETTI, JESUS, LEYTON e
MUÑOZ, 2008). A taxa de suicídio no Brasil cresceu 21% de 1980 a 2000,
principalmente entre os jovens de 15 a 24 anos. Calcula-se que até 2020
mais de 1,5 milhões de pessoas cometerão suicídio. Os dados da OMS
(2010) indicam que o cigarro e o álcool juntos são responsáveis por 8,1%
dos problemas de saúde dos brasileiros, tornando-se uma questão de
saúde pública. Em Lages, SC, em 2005, 11 pessoas se suicidaram; em 2006
houve 7 suicídios, mesmo índice de 2007; em 2008 o número subiu para 10
e, em 2009, houve registro de 14 suicídios, totalizando 49 suicídios.
4. Identificação do Alcoolismo e de Tendências Suicidas por Profissionais da Área Psiquiátrica e Psicológica
Para identificar a dependência alcoólica é necessário que se faça uma
avaliação através de exames clínicos, psicológicos ou através de
relatos com o próprio alcoolista e com familiares. Dentre as técnicas
existentes, podem ser utilizadas entrevistas, exames clínicos e testes
psicológicos, além de observar critérios de diagnóstico para dependência
de substâncias psicoativas com a utilização de manuais diagnósticos,
conforme quadro 1, 2 e 3.
Critérios do CID-10 para uso nocivo (abuso) de substância
|
O diagnostico requer que um dano real deva ter sido causado à saúde física e mental do usuário. |
Padrões nocivos de uso são frequentemente criticados por outras pessoas e estão associados a consequências sociais diversas de vários tipos. O fato de um padrão de uso ou uma substância em particular não ser aprovado por outra pessoa, pela cultura ou por ter levado a consequências socialmente negativas, tais como prisão ou brigas conjugais, não é por si mesmo evidencia de uso nocivo. |
O uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um transtorno psicótico ou outra forma especifica de transtorno relacionado ao uso de drogas ou álcool está presente. |
Quadro 1: Critérios do CID-10 para uso nocivo (abuso) de substância
Fonte: Laranjeira et al. (2003, p. 16)
Critérios diagnósticos da dependência de substancias psicoativas
|
|
Compulsão para o consumo
|
A experiência de um desejo incontrolável de consumir uma substância. O individuo imagina-se incapaz de colocar barreiras a tal desejo e sempre acaba consumindo. |
Aumento da tolerância
|
A necessidade de doses crescentes de uma determinada substância psicoativa para alcançar efeitos originalmente obtidos com doses mais baixas. |
Síndrome de abstinência
|
O surgimento de sinais e sintomas de intensidade variável quando o consumo de substância psicoativa cessou ou foi reduzido. |
Alívio ou evitação da abstinência pelo aumento do consumo
|
O consumo de substâncias psicoativas visando ao alivio dos sintomas de abstinência. Como o indivíduo aprende a detectar os intervalos que separam a manifestação de tais sintomas, passa a consumir a substância preventivamente, a fim de evitá-los. |
Relevância do consumo
|
O consumo de uma substância torna-se prioridade, mais importante do que coisas que outrora eram valorizadas pelo indivíduo. |
Estreitamento ou empobrecimento do repertório
|
A perda das referências internas e externas que norteiam o consumo. À medida que a dependência avança, as referências voltam-se exclusivamente para o alívio dos sintomas de abstinência, em detrimento do consumo ligado a eventos sociais. Além disso, passa a ocorrer em locais onde sua presença é incompatível, como por exemplo, o local de trabalho. |
Reinstalação de síndrome de dependência
|
O ressurgimento dos comportamentos relacionados ao consumo e dos sintomas de abstinência após um período de abstinência. Uma síndrome que levou anos para se desenvolver pode se reinstalar em poucos dias, mesmo o indivíduo tendo atravessado um longo período de abstinência. |
Quadro 2: Critérios diagnósticos da dependência de substancias psicoativas
Fonte: Laranjeira et.al (2003, p. 16)
Critérios do CID-10 para a dependência de substâncias
|
Um diagnóstico definitivo de dependência deve usualmente ser feito somente se três ou mais dos seguintes requisitos tenham sido experienciados ou exibidos em algum momento do ano anterior. |
a) um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância. |
b) dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término e níveis de consumo; |
c) um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência para a substância ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; |
d) evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas; |
e) abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessária para se recuperar de seus efeitos; |
f) persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestamente nocivas. Devem-se fazer esforços claros para determinar se o usuário estava realmente consciente da natureza e extensão do dano. |
Quadro 3: Critérios do CID-10 para a dependência de substâncias
Fonte: Laranjeira et al (2003, p. 17)
Para se realizar o diagnóstico da dependência alcoólica é necessário
que sejam avaliados três padrões principais da patologia: necessidade de
uso diário de álcool para o funcionamento adequado; a ingestão regular e
maciça de bebidas alcoólicas, limitada aos finais de semana; e longos
períodos de abstinência intercalados com períodos de uso excessivo que
duram desde semanas até meses.
Jellinek (apud Nardi, 2006, p.125), em 1960, definiu
alcoolismo como qualquer uso de bebidas alcoólicas que causa dano ao
indivíduo, à sociedade ou a ambos, classificando os alcoolistas conforme
o padrão de uso da bebida. Embora tal definição não seja perfeita, é
utilizada porque evoca padrões clínicos, culturais e critérios de
inclusão e exclusão. Cloningen (apud Nardi, 2006, p.127), dividiu os alcoolistas em dois tipos: - Tipo I: bebedor árduo, início após 25 anos com reforço externo para beber; -T ipo II: início precoce e desenvolve o alcoolismo independentemente de reforço externo.
Sendo assim, é imperativo ressaltar o alcoolismo em diferentes fases de desenvolvimento de dependência, sendo eles: fase pré-alcoólica, que pode durar de 6 a 12 meses - seu uso é sintomático; fase prodrômica, que pode durar de 6 meses a 5 anos - há comprometimento orgânico maior; fase crucial,
com perda de controle sobre o uso, presença de diversos sintomas e
síndrome de abstinência, bem como graves problemas sociais e familiares;
fase crônica, com embriaguês contínua e graves
problemas psicológicos e físicos (NARDI, 2006, p. 127). Segundo o mesmo
autor, o uso excessivo do álcool pode causar alguns transtornos mentais,
dentre eles Intoxicação Alcoólica; Intoxicação alcoólica
idiossincrásica; Síndrome de abstinência alcoólica; Delirium de abstinência alcoólica (delirium tremens); Alucinose
alcoólica; Ciúme patológico; Síndrome amnéstica alcoólica (Síndrome de
Wernicke-Korsakoff); Demência associada ao alcoolismo. Diante dos
transtornos causados, existem tratamentos que auxiliam na melhora do
dependente. A seguir serão apresentados os tratamentos utilizados nas
diferentes classificações do alcoolismo.
Segundo Solomon e Patch (1975), o alcoolismo constitui uma abordagem
lógica para o problema ao considerar três possíveis causas: 1)
alcoolismo social; 2) alcoolismo neurótico; e 3) alcoolismo psicótico.
Importante lembrar que essas categorias são complementares.
5. Critérios para Identificação de Tendências Suicidas relacionadas ao Alcoolismo
As pesquisas revelam alguns fatores que estão associados à maior
probabilidade de suicídios entre pessoas que abusam do álcool, tais
como: serem homens, jovens, divorciados ou separados, desempregados,
depressivos, viúvos, quando comparados a outros indivíduos suicidas que
não abusaram do álcool nos meses que precederam seus suicídios. De
acordo com Barraclough (apud APA, 2008), em uma de suas
pesquisas constatou-se que entre 100 suicídios, 93% tinham doenças
mentais, 85% tinham depressão ou alcoolismo. De igual forma, em um
estudo realizado por Murphy et al (apud APA,
2008, p. 950) com alcoolistas com maior risco de suicídio,
identificou-se que a maioria era de homens brancos, em idades
produtivas, tinham pouco apoio social, alguns portavam doenças físicas
sérias, outros estavam desempregados, viviam sozinhos e tinham
manifestado intenção de suicídio. Os dados apontam que cerca de 83% dos
alcoolistas que cometeram suicídio apresentaram também pelo menos quatro
dos sete fatores de risco.
Segundo a APA (2008), indivíduos que abusam do álcool apresentam
maior probabilidade de morte por intoxicação alcoólica ou por overdose
de medicamentos e outras drogas e, conforme asseveram Pirkola et al. (apud
APA, 2008, p. 950) os suicídios relacionados ao álcool “também tinham
os indivíduos experienciado mais eventos vitais adversos próximos ao
momento de seu suicídio, apesar de terem melhor ajustamento psicossocial
anterior ao longo da vida”.
Cornelius et al. (apud APA, 2008, p. 951), em um
estudo entre alcoolistas hospitalizados por depressão maior,
identificaram que quase 40% deles tinham feito uma tentativa de suicídio
na semana anterior à baixa e 70% haviam realizado uma tentativa em
algum momento de sua vida, segundo os mesmos autores: “Havia uma
associação significativa entre o comportamento suicida recente e o
consumo exagerado de bebida recente, sendo que a maioria dos sujeitos
também relatava ter bebido mais do que o habitual no dia de suas
tentativas de suicídio, as quais geralmente eram impulsivas”.
É importante que os profissionais que atendem pessoas com
comportamento suicida identifiquem inclusive os fatores
sócio-demográficos que os afetam, predispondo o suicídio. Segundo Nardi
(2006), o suicídio é o resultado de uma série de fatores tais como
psicológicos, biológicos e sociais. Não existe resposta para um caso
específico, mas sim vários fatores que podem estar presentes na maioria
dos casos. Ao ser detectado o risco de suicídio a pessoa deverá ser
acompanhada, amparada, vigiada por todos de sua família, da comunidade
ou pelos profissionais que estão em sua volta. A hospitalização pode ser
indicada nos casos graves.
A respeito dos fatores biopsicossociais, Sadock e Sadock (2007)
asseveram que as taxas de suicídio aumentam com a idade e ressaltam a
importância da crise da meia-idade, embora o suicídio entre homens de 25
a 34 anos tenha aumento em cerca de 30% nos últimos anos. Há um aumento
de suicídios entre jovens, homens de 15 a 24 anos e a taxa de suicídio
para as mulheres no mesmo grupo etário vem aumentando significativamente
(Associação Americana de Psiquiatria, 2008). Existe ainda diferença
entre as taxas de suicídio de homens e mulheres conforme a faixa etária,
sendo de 45 anos para homens e após os 55 para as mulheres (SADOCK e
SADOCK, 2007).
Quanto ao gênero e orientação sexual, as pesquisas revelam que os
homens cometem quatro vezes mais suicídio do que as mulheres (SADOCK e
SADOCK, 2007). Os riscos de tentativas de suicídio e ideação suicida
entre indivíduos homo e bissexuais foram avaliados por diferentes
pesquisadores e as tentativas de suicídio mais comuns são identificadas
em homens com orientação sexual para o mesmo gênero.
Variações nas taxas de suicídios estão associadas à raça, etnia e
cultura. Dois em cada três suicídios são de homens brancos, mas o
suicídio entre negros está crescendo, quatro vezes maior do que para as
mulheres brancas e oito vezes maiores do que para as mulheres negras. O
suicídio entre jovens indígenas está crescendo significativamente e
entre os imigrantes (mundialmente) são encontradas as taxas mais altas
de suicídios do que a população nativa (SADOCK e SADOCK, 2007). O choque
cultural é causa de suicídios na velhice, visto que os valores da
sociedade como um todo se modificam alterando a identidade familiar que
resulta no isolamento dos idosos e contribui para o suicídio.
Quanto ao estado civil e ocupação, Sadock e Sadock (2007) apontam que
o casamento reforçado por filhos tende a diminuir o risco de suicídio. A
taxa de suicídio varia de 11 por 100 mil para pessoas casadas enquanto
que para as solteiras que nunca se casaram a taxa global de suicido é
duas vezes maior. O suicídio ocorre com maior frequência do que o usual
entre indivíduos socialmente isolados e com história familiar de
suicídio (tentativas ou suicídio consumado). Quanto maior a condição
social de uma pessoa, maior é o risco de suicídio, mas uma queda na
condição social também aumenta esse risco. Ter uma ocupação (emprego,
trabalho) em geral protege a pessoa contra o suicídio e, dentre as
profissões, os médicos apresentam um índice maior de possibilidades de
suicídio (SADOCK e SADOCK, 2007), sendo a proporção de suicídio entre as
mulheres médicas maior do que a relacionada a outras mulheres com mais
de 25 anos de idade.
6. Metodologia
Para efetuar o estudo, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica,
documental, qualitativa e de cunho exploratório. Conforme Gil (1999), a
pesquisa bibliográfica permite ao investigador a cobertura de uma gama
de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar
diretamente e uma análise prévia sobre os escritos. Cellard (2008)
entende a pesquisa documental como o uso de documentos para realizar uma
análise de dados, oportunizando a contextualização histórica e
sociocultural através de observação, interpretação e releitura diante do
fator pesquisado. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como
fonte direta de dados e considera o pesquisador um instrumento
fundamental para a realização da mesma. Quando se adota um cunho
exploratório, tem-se como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais
precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores (GIL, 1999).
Sendo assim, este trabalho buscou responder à questão: Quais são os
aspectos psicossociais que influenciam e/ou determinam a relação entre
uso/abuso de álcool e suicídio? Para isso, foram utilizados artigos
científicos, periódicos e manuais para profissionais da saúde da OMS.
Foi pesquisado também no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM),
documento produzido junto ao Sistema Único de Saúde, informações sobre o
registro de óbitos e suas causalidades.
7. Resultados e Discussões
O suicídio é considerado uma violência que o indivíduo comete contra
si e, deste modo, consiste em um problema de saúde pública. Segundo
Meleiro, Fensterseifer e Werlang (2004, p. 141), a Organização Mundial
da Saúde tem registrado o significativo impacto do suicídio na saúde
pública e reduzir esse problema se tornou objetivo dessa organização. O
suicídio causa revolta na sociedade, sentimento de fracasso pelos
profissionais da saúde, entre outros, e gera gastos aos cofres públicos
(STEWART apud MELEIRO et al. 2004)
Assim como no alcoolismo, a prevenção ainda é a melhor maneira de
reduzir os danos causados ao indivíduo e a identificação de fatores de
risco pode auxiliar na diminuição das tentativas. Para Meleiro et al (2004),
a prevenção do suicídio deve ser pautada no conhecimento dos fatores de
risco e o profissional que atender o paciente com histórico de
tentativas de suicídio deve reconhecer o que é uma ideação suicida,
plano suicida e meio suicida, bem como tomar precauções para tentar
evitar que o paciente atente contra a própria vida.
Segundo a APA (2008), é essencial que o psicólogo, ao realizar uma
avaliação do potencial suicida, obtenha informações da história de vida
atual e passada do paciente e sobre seu estado mental. Neste sentido,
ele poderá fazer perguntas diretas a respeito de pensamentos e
comportamentos suicidas.
De acordo com De Leo (apud Werlang e Botega, 2004, p. 13), o
comportamento suicida apresenta várias causas complexas e que interagem
entre si. “A identificação desses fatores e a compreensão de seu papel é
essencial para a prevenção do suicídio”. O psicólogo deve ficar atento
a fatores como pobreza, conflitos intra-familiares, perda de pessoas
queridas ou amigos, rompimento de relacionamento e problemas jurídicos
ou ocupacionais que são fatores de risco para suicídio.
A história de suicídio familiar é considerada também um fator de
risco relacionado tanto a aspectos sociais quanto genéticos. O uso
excessivo de álcool e outras drogas, o abuso físico ou sexual na
infância, isolamento social, depressão, transtornos do humor,
esquizofrenia, sentimento de desesperança e doenças físicas dolorosas e
incapacitantes são fatores que predispõem o suicídio (DE LEO apud WERLANG e BOTEGA, 2004).
O psicólogo, ao obter várias informações a respeito do estado mental
do suicida, pode incluir outras pessoas para auxiliar e monitorar o
paciente em outros ambientes, como: a família, amigos, médicos,
profissionais da saúde mental, professores ou funcionários da escola,
colegas, e outras do convívio do paciente (APA, 2008).
A equipe de saúde que atender o paciente com tentativa de suicídio
pode, em alguns casos de urgência, como a intoxicação por substâncias,
originar uma decisão extrema que garanta a segurança do paciente, como a
hospitalização, antes mesmo de se obter todas as informações
importantes inerentes ao caso (APA, 2004).
Segundo Giordano (1991), o indivíduo suicida é evidentemente um
paciente clínico para a saúde mental, e é o alvo de trabalho para a área
psicoterápica da psiquiatria ou da psicologia. Deste modo, as políticas
públicas da saúde mental devem facilitar o acesso destes pacientes aos
serviços de saúde mental, pois a adesão aos tratamentos propostos
determina melhores resultados terapêuticos, diminuindo, dessa forma, a
probabilidade do comportamento suicida (DE LEO apud WERLANG e BOTEGA, 2004).
Para Dias (1991, p. 89), o tratamento do paciente suicida deve ser
embasado em abordagens que abranjam a visão médica, psiquiátrica e
social-cultural, pois o suicídio é um dilema existencial humano. A
equipe de saúde que identificar o risco de suicídio deve formular um
plano imediato de tratamento, pois “o clínico precisa avaliar a
vulnerabilidade e os pontos fortes de cada paciente, incluindo fatores
como habilidades de enfretamento, traços da personalidade, estilo de
pensamento e necessidades evolutivas e psicológicas” (APA, 2008, p.
897).
O psicólogo, ao abordar a questão da ideação suicida junto com o
paciente pode ser um recurso para o alívio do paciente, na medida em que
abre uma via de discussão e lhe dá a oportunidade de se sentir
compreendido. Ao realizar perguntas a respeito de ideias suicidas,
deve-se iniciar perguntando sobre os sentimentos do paciente a respeito
da vida.
Neste sentido, mesmo que o paciente se recuse a falar sobre
pensamentos de morte ou suicídio, o psicólogo pode realizar perguntas
adicionais, caso haja necessidade. O psicólogo deve informar ao paciente
a respeito do sigilo profissional, deixando claro que se houver risco
de vida, ele poderá, com ou sem o consentimento do paciente, realizar
contato com familiares mais próximos, informando do possível suicídio.
Botega e Werlang (2004) corroboram que as psicoterapias realizadas devem
ser direcionadas para as questões pessoais e sociais que aumentam o
risco de suicídio. Sendo assim, a intenção das psicoterapias é auxiliar o
paciente, oferecendo apoio e encorajamento.
8. Psicoterapias utilizadas no tratamento do Alcoolismo e do Suicídio
Psicoterapia é a aplicação de técnicas especializadas ao tratamento
de distúrbios mentais ou a outros problemas de ajustamento cotidiano. O
termo psicoterapia inclui diversas técnicas empregadas por especialistas
de várias formações teóricas. Deste modo, para o tratamento do paciente
alcoolista com risco de suicídio, algumas terapias como: Cognitivo
Comportamental, Breve, Psicodinâmicas e Interpessoais e de Apoio são
utilizadas na saúde mental.
Segundo Cabral e Nick (1979, p. 321), a psicoterapia do comportamento
consiste na aplicação dos princípios da aprendizagem ao tratamento da
conduta desordenada, sendo elas:
- Dessensibilização Sistemática: baseia-se no princípio
comportamental de contra-condicionamento, pelo qual a pessoa supera a
ansiedade mal-adaptativa induzida por uma situação ou um objeto
abordado, de forma gradual, a situação terminada, em um estado
psicofisiológico que inibe a ansiedade. São utilizados recursos de
relaxamento para aliviar a ansiedade;
- Exposição Gradual Terapêutica: semelhante à dessensibilização
sistemática, porém não utiliza técnicas de relaxamento, o indivíduo deve
entrar em contato com o estímulo temido para ficar sabendo que não
haverá consequências perigosas (ex: medo de gatos, podem progredir de
olhar a figura de um gato até segurar um);
- Inundação: também conhecida como implosão, é semelhante à exposição gradual na medida em que envolve a exposição in vivo
ao objeto temido. Tal abordagem baseia-se na premissa de que fugir de
uma experiência provocadora de ansiedade reforça a ansiedade mediante o
condicionamento. Este método funciona melhor com fobias;
- Modelagem Participante: os pacientes aprendem um novo comportamento
por imitação, primariamente por observação, sem ter que realizar o
comportamento até que se sintam prontos. Esta técnica tem sido usada com
sucesso na agorafobia.
A terapia cognitiva, de acordo com seu criador, Aaron Beck é
desenvolvida onde o afeto e o comportamento de um indivíduo são
determinados pela forma como o mesmo estrutura o mundo. É uma terapia de
curto prazo que utiliza colaboração ativa entre paciente e terapeuta
para atingir os objetivos terapêuticos, orientada para problemas atuais e
sua resolução (SADOCK e SADOCK, 2007, p. 1017).
Para APA (2008, p. 320), a psicoterapia cognitiva e comportamental
consiste em técnicas como: “automonitoramento, fixação de objetos,
gratificação pela realização de metas, analise funcional das situações
de ingestão de bebidas alcoólicas e aprendizado de habilidades de
enfrentamento alternativas”.
O objetivo da psicoterapia breve é o alívio dos sintomas no paciente
para que esse atinja equilíbrio. Se necessário, motivá-lo a aderir um
tratamento mais prolongado com o objetivo de reduzir o uso ou abuso de
álcool e outras drogas (EIZIRIK et.al, 1998).
A psicoterapia dinâmica engloba quase todas as variedades de
psicoterapia breve, intervindo nas crises do paciente. O objetivo é a
resolução do desconforto cronicamente suportada e da autoimagem negativa
do paciente. O foco de intervenção é o desconforto presente e
cronicamente suportado pelo paciente alcoolista (SADOCK e SADOCK, 2007).
A psicoterapia de Apoio é uma forma de terapia em que o terapeuta,
pelo encorajamento, exortação (animação), sugestão e estímulo de
confiança, tenta fortalecer o funcionamento do ego no paciente suicida,
sobretudo durante os períodos mais penosos no curso de uma psicoterapia
de profundidade. Segundo Cabral e Nick (1979), na psicoterapia de apoio o
psicólogo recorre principalmente, a manipulação do meio cultural do
paciente, para que lhe sejam propiciados fatores necessários a sua
satisfação pessoal/individual, cuja ausência é uma das causas que
precipita o comportamento suicida.
A psicoterapia familiar pode tratar as preocupações de qualquer
membro da família, tem maior probabilidade de influenciar os filhos,
cuja realidade cotidiana é diretamente afetada pelo contexto familiar. A
técnica focaliza em intervenções que visem melhorar o funcionamento da
família, tem duração de até duas horas por sessão e acontece uma vez por
semana.
9. Conclusão
Neste estudo foi possível identificar os aspectos psicológicos e
sociais que influenciam e/ou determinam a relação entre uso/abuso de
álcool. O uso exagerado do álcool é uma doença biopsicossocial que
merece atenção da saúde pública, além de causar diversas comorbidades é
responsável por rompimentos familiares, baixa autoestima, dificuldades
laborais entre outras, que conduzem o indivíduo à morte por doenças em
decorrência do uso abusivo como também por suicídio.
De acordo com os fatores sócio-demográficos relacionados ao suicídio,
identificou-se que, em relação à idade, atentar contra a própria vida
predomina entre pessoas com idade entre os 15 e 40 anos mundialmente, e
nas pessoas mais velhas acima de 55 anos. Em relação ao gênero e
orientação sexual, a predominância é para os homens.
Outro fator sócio-demográfico relevante foi a questão de
raça/etnia/cultura, onde se constatou o predomínio de suicídio entre
homens de cor branca, pessoas originadas em famílias socialmente
isoladas, sem uma religião definida. Percebeu-se, ainda, a prevalência
do suicídio sobre o estado civil e ocupação, maior para aqueles que são
divorciados, seguidos dos viúvos, os separados, os solteiros e por
último os casados. Já quando se trata da ocupação, este índice aumenta
nos desempregados, naqueles que apresentam uma queda financeira
drástica, e a classe dos médicos.
Em Lages, destaca-se que entre os anos de 2005 a 2009 foram cometidos
49 suicídios. Estão, na maioria, ligados a transtornos mentais como:
transtorno do humor, esquizofrenia, transtorno de ansiedade, transtorno
de personalidade, transtorno de alimentação e transtorno por uso de
álcool e outras substâncias como causadores da maior parte dos
suicídios.
A atuação do profissional da psicologia na identificação de pacientes
que apresentam comportamento suicida volta-se para a realização de
procedimentos psicoterápicos para identificar os fatores de risco, o
estado mental, auxiliar familiares e pessoas próximas em sua
convivência. Ainda, deve-se fazer encaminhamentos para outros
profissionais, quando necessário, e também de acordo com a necessidade,
aconselhar o internamento hospitalar aos familiares como garantia. Em
outras palavras, o psicólogo deve estabelecer uma aliança terapêutica,
um bom vínculo, visto que estes dois aspectos são favoráveis à
diminuição do risco de suicídio.
Este trabalho sugere outras pesquisas para identificar condições de
comorbidades da depressão com o uso e abuso de álcool e outras
substâncias. Deveriam ser realizados estudos junto aos familiares de
alcoolistas suicidas para compreender suas percepções acerca do problema
vivenciado. Para finalizar, é importante relacionar algumas
dificuldades que surgiram como: escassa literatura a respeito da relação
entre o álcool e suicídio disponíveis, poucos artigos publicados em
sites científicos sobre a temática, constituindo-se um desafio para
outros pesquisadores da temática.
Talvez esses artigos também te interessem:
http://psicologado.com/atuacao/psicologia-clinica/alcoolismo-e-suicidio-causas-consequencias-e-tratamento-psicoterapeutico
Nenhum comentário:
Postar um comentário