Considerações sobre Luto e Melancolia (Trauer
und Melancolie) de Freud
Escrito por: Flora Fernandes Lima | Publicado em: 31 de Julho de 2009
Freud
busca nesse texto fazer considerações a respeito da natureza da melancolia
comparando-a com o afeto normal do luto e limitando-se a discutir apenas suas
manifestações de origem psicogênica. A correlação colocada por Freud entre luto
e melancolia justifica-se pela semelhança no quadro geral dessas duas
manifestações. O luto caracteriza-se
pela reação normal relativa à perda de um ente querido e a melancolia, hoje
nomeada como depressão, é um diagnóstico de grande incidência na população
mundial. Tenta-se a seguir fazer breve apanhado desse escrito de Freud
relacionando-o com outros estudos na área.
Luto
O luto, de maneira geral, manifesta-se como estado de reação a
perda de algo amado e não implica condição patológica desde que seja superado
após certo período de tempo. Suas características assimilam-se muito as da
melancolia que possui como traços marcantes desânimo profundo e penoso,
cessação de interesse pelo mundo externo e inibição de toda e qualquer
atividade. A característica de maior peso na diferenciação dos dois estados é presença de baixa auto-estima e
auto-recriminação muito
comuns na Melancolia e inexistentes
no luto normal.
No luto profundo existe a perda de interesse pelo mundo externo
a não ser que se trate de circunstâncias ligadas ao objeto perdido. Há a
dificuldade de adotar um novo objeto de amor. A inexistência do objeto exige
grande esforço para redirecionamento da libido. A oposição a esse
redirecionamento da libido pode acontecer de maneira tão intensa que dá lugar a
um desvio de realidade (psicose alucinatória), entretanto, essa manifestação
não ocorre no luto normal.
Com relação ao luto normal é importante salientar que a perda do
ente amoroso não constitui presença de auto-recriminação, mas, em pessoas nas
quais existe pré-disposição para neurose obsessiva pode haver a culpa pela
perda. O sujeito pode ter a sensação que pode ter ajudado no processo de perda,
pode vir a achar que a desejou.
A superação do luto é
realizada pouco a pouco e com grande gasto de energia. O desligamento do objeto
perdido se dá através da evocação e hipercatexização de cada lembrança relativa
ao objeto. Quando o trabalho de luto se conclui o ego fica outra vez.
Em meados da década de 1960, a psiquiatra Kübler-Ross, estuda a
partir de sua experiência profissional com pacientes terminais as fases pelas
quais passaria o luto. A obra Sobre
a morte e o morrer, publicada em 1969, analisa os estágios pelos quais
passam as pessoas no processo de terminalidade: negação e isolamento, raiva,
barganha, depressão e aceitação (COMBINATO e QUEIROZ, 2006)
As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de
pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza,
exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal
podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos
quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa usualmente
preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando
devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora
característica dos estados melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto,
limitam-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu;
outras idéias de culpa estão geralmente ausentes (DEL PORTO, 1999)
Melancolia
A melancolia também pode vir a ser reação de perda do objeto
amado, objeto este que não precisa ter necessariamente morrido e sim ter sido
perdido enquanto objeto de amor. Em alguns casos pode-se constatar a perda,
entretanto, não se sabe exatamente o que se perdeu (sabe-se, por exemplo, quem
se perdeu, mas não se sabe o que se perdeu nessa pessoa). No melancólico não se
pode ver exatamente qual o conteúdo da perda.
Diferentemente do processo de luto, apresenta o ego como
desprovido de valor, incapaz de qualquer realização. A baixa auto-estima pode
estar associada à insônia e a recusa em se alimentar. A gênese da melancolia,
segundo Freud, estaria numa ligação objetal que mostrou ser uma catexia de
pouco poder de resistência sendo logo liquidada.
A libido nesse caso, sem ter direcionamento, desloca-se para o
ego estabelecendo uma espécie de identificação deste com o ente perdido. A
perda objetal passa a ser uma perda do próprio ego.
Nos casos de catexia de pouca resistência constata-se que a
escolha amorosa é feita sob uma base narcísica, dessa forma, a libido ao
deparar-se com obstáculos pode retroceder ao narcisismo. Conclui-se, portanto,
que mesmo em conflito com a pessoa amada não é preciso renunciar à relação
amorosa.
O amor pelo objeto não pode ser renunciado, mesmo que o próprio
objeto o seja. Sendo assim, o afeto volta-se contra o ego como substitutivo
fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento. Esse aspecto
solucionaria o enigma do suicídio. Isso só ocorreria, no entanto, quando o ego
trata a si mesmo como objeto de forma a encaminhar-lhe toda a hostilidade
originalmente pertencente ao mundo exterior.
A melancolia tem uma tendência a se transformar em mania. O
conteúdo relatado pelos pacientes com mania na prática clínica, segundo FREUD
(1917), em nada difere do conteúdo da melancolia, como se ambos lutassem contra
o mesmo complexo. Na melancolia o ego sucumbiria ao mesmo e na mania já o teria
superado resultando disso um estado de alegria por alívio, de economia de
energia. Nesse último caso a libido fora liberada para novas catexias objetais.
Nos critérios atuais colocados pelo DSM-IV conta ainda com
muitos critérios, similares aos antes mencionados por Freud como perda de peso
por recusa à alimentação, insônia e mesmo sentimento de inutilidade e culpa
excessiva, sendo esta última diferencial importante com relação à melancolia e
luto patológico. A correlação da melancolia com a mania é explicitada pela
grande ocorrência casos de Transtorno Bipolar, corroborando em muito também
algumas das afirmações de Freud.
Referências
COMBINATO, Denise Stefanoni; QUEIROZ, Marcos de Souza. Morte: uma visão psicossocial. Estud. psicol. (Natal),
Natal, v. 11, n. 2, Aug. 2006 . Available from .
access on01 July 2009. doi:
10.1590/S1413-294X2006000200010
DEL PORTO, José Alberto. Conceito
e diagnóstico. Rev.
Bras. Psiquiatr., São Paulo, 1999. Available from . access on01 July
2009. doi: 10.1590/S1516-44461999000500003.
FREUD, Sigmund.
(1917 [1915]). Luto e
melancolia. In:
FREUD, Sigmund. Obras Completas. v. 14. Rio de Janeiro: imago Editora, 1969.
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