A Importância da (Re)Construção da
Identidade de um Alcoolista
Dentro de uma Visão Psicossocial
Autor: Nilta Carina Menna Barreto Machado
| Publicado na Edição de: Setembro de 2012
Introdução:É muito importante o lugar das psicoterapias no tratamento do alcoolismo em todo o percurso do acompanhamento terapêutico. O êxito do tratamento depende em grande parte da estabilidade de uma relação individual de apoio. São largamente utilizadas diversas formas de psicoterapias, sejam elas inspiradas na psicanálise, nas terapias cognitivo-comportamentais, terapias de grupo informais ou estruturadas, terapias corporais ou psicoterapias familiares. Nenhuma delas comprovou a sua eficácia específica, mas na sua maior parte e integradas em programas de cuidados, revelaram-se úteis no acompanhamento da maturação psicológica e na reinserção sócio familiar dos pacientes. As suas indicações, adaptadas ao perfil individual dos sujeitos, dependem da competência e experiência das equipes especializadas.
Palavras-chave: alcoolismo, aliança terapêutica, luto, objeto pulsional, gozo.A psicoterapia é um valioso recurso para lidar com as dificuldades da existência nas mais diferentes formas que o sofrimento humano pode assumir como transtornos psicopatológicos, distúrbios psicossomáticos, crises, estados de sofrimento, conflitos interpessoais, etc. É também um espaço favorável ao crescimento e amadurecimento, um lugar/tempo/modo privilegiado de criar intimidade consigo mesmo, de estabelecer diálogos construtivos e transformar padrões estereotipados de funcionamento, restabelecendo o processo formativo e criativo de cada um.
Ela oferece uma oportunidade de compreender e mudar os padrões de relacionamento interpessoal. Os problemas vinculares são fonte de incontáveis sofrimentos e favorecendo a ocorrência de inúmeros conflitos e doenças. Em alguns casos, a Psicoterapia cumpre também uma função de “educação” para a vida, oferecendo um espaço de aprendizado, com instrumentos e conhecimentos que podem ajudar na orientação e condução da vida. Esta função torna-se fundamental em situações de desestruturação decorrente de crise ou casos de imaturidade psíquica, quando a pessoa se sente verdadeiramente inapta para lidar com os enfrentamentos e dificuldades em sua vida.
Durante a psicoterapia, o paciente pode adquirir novas habilidades sociais, mudar hábitos desadaptativos arraigados, em função das orientações e sugestões do terapeuta, Cordioli (2008). Nas mais diferentes psicoterapias há o reconhecimento da importância e da necessidade de uma boa aliança terapêutica, entretanto os modelos variam conforme a maneira de valorizar esta relação como agente de mudança. Neste contexto, esta aliança pode configurar-se como um teste de confiança, tão importante na relação que está se estabelecendo com seu paciente que, talvez, a principal arma do terapeuta para lidar com a situação seja a empatia. Tentar através de seus gestos e de suas ações mostrar ao paciente a importância dele na relação.
Nasio, em sua obra Como trabalha um psicanalista, (1999), salienta que para o analista conhecer o mundo interno do analisando é preciso deixar por alguns momentos de existir, abrir mão de suas pulsões e dar espaço, vida ao outro. Mesmo que seja por um breve espaço de tempo, o não existir relaciona-se ao tortuoso morrer.
O início da terapia é uma das etapas mais delicadas do tratamento e é de fundamental importância para a permanência ou não do paciente em tratamento. Para isto, é imprescindível ultrapassar as eventuais resistências do paciente, sua falta de motivação e as dificuldades em aderir aos procedimentos propostos, Cordioli (2008).
Dentro do contexto da vida do alcoolista, o terapeuta precisa dispor de muitos instrumentos para poder chegar até o paciente. Sabemos que o sofrimento psíquico que este paciente está vivendo é algo muito doloroso para ele e para as pessoas que o cercam.
O alcoolista vê o álcool, muitas vezes, como parte de si mesmo. Tomar a pulsão como instrumento para pensar as toxicomanias, principalmente o alcoolismo, conduz, inicialmente, ao aspecto econômico da metapsicologia, aquele que se dedica ao estudo quantitativo dos processos psíquicos, ou seja, ao fluxo das excitações e energia que circulam no psiquismo. Freud designa por “investimento” o processo através do qual a energia é empregada em uma determinada atividade psíquica. Essa operação inclui um objeto e uma representação concomitante. O aspecto econômico tem grande importância no que se refere à angústia, ao conceito de pulsão e à noção freudiana de prazer. Por esse viés, o fenômeno toxicomaníaco teria a função de preservar e regular a homeostase psíquica através do equilíbrio energético. Aqui também cabe indagar se a droga pode ser objeto da pulsão, definido por Freud como indiferente e de natureza variável, e considerar que a toxicomania pode ser enfocada tendo como eixo a teoria.
A noção de pulsão aparece em 1905, nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", diretamente ligada à sexualidade, à dualidade que vai caracterizar a primeira teoria das pulsões: autoconservação e sexualidade logo se desdobram; Em 1915, consolida-se a idéia da sexualidade como paradigma da pulsão e Freud afirma que a pulsão é um Grundbegriff - conceito fundamental para psicanálise. Quanto ao eixo econômico, observa-se uma mudança na própria definição de pulsão, inicialmente pensada em relação à hipótese de que o aparelho psíquico se encontrava submetido ao princípio do prazer; essa seria a primeira lei do psiquismo. Posteriormente, Freud encontrará algo além desse princípio: “[...] impõe-se a nós a idéia de termos descoberto a pista de um caráter geral, não reconhecido até agora - ou que pelo menos não se fez ressaltar expressamente - das pulsões e talvez de toda a vida orgânica. Uma pulsão seria, pois, uma tendência própria do orgânico vivo à reconstituição de um estado anterior...” (Freud,1920:47)
A história do desenvolvimento das pulsões será inteiramente reformulada quando a oposição entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais for substituída pela oposição entre as pulsões de vida e as pulsões de morte.
Retomando o primeiro dualismo pulsional proposto por Freud em “A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão” (1910), que opunha as pulsões sexuais às pulsões de autoconservação (ou pulsões do eu); trata-se de um “eu” como instância psíquica encarregada de garantir a conservação do organismo. Naturalmente, esta introdução do eu ao lado da autoconservação permite-nos compreender o caráter conflitivo em relação à sexualidade, especialmente no que se refere ao recalque. Nesse momento da teoria freudiana, a pulsão sexual nasce apoiada nas funções postas à serviço da autoconservação da vida, mas logo se torna independente (Freud.1910).
A inegável oposição entre as pulsões que servem à sexualidade, à obtenção do prazer sexual, e as outras, que têm por fim a autoconservação, as pulsões do eu, é de suma importância para Freud. Entretanto, nesse estágio da teoria freudiana, observa-se um paradoxo: “são as pulsões de autoconservação que se apóiam nas pulsões sexuais e não o contrário, a especificidade do humano implica precisamente que o funcional seja subvertido de modo constante pelo pulsional”. Freud refere-se à “compulsão à repetição” como fenômeno observado no tratamento psicanalítico, sugerindo ser ela derivada da natureza mais íntima das pulsões, suficientemente poderosa para desprezar o princípio do prazer. Embora ainda não faça alusão à pulsão de morte, irá conceituá-la a partir da "compulsão à repetição".
Melmann assinala que a característica do objeto do toxicômano é a de não ser da ordem do semblante; se ele visa efetivamente o outro enquanto corpo para assegurar-se de seu próprio gozo, esse objeto só pode ser real. Por esse raciocínio, "o toxicômano identifica-se com seu objeto. Ou seja, ele não pode ter outro ideal que a posição de a, ele mesmo como marginalizado". (Melmann,1992:79).
Qual seria, então, o objeto próprio para assegurar o gozo do toxicômano? Melmann o situa "no desfile de seus próprios pensamentos tomados em curso aleatório, quer dizer, liberados da repetição. O tóxico é o meio para isso." (Ibid:119). Trata-se do fenômeno toxicomaníaco de auto-erotismo, cuja presença é incentivada em nosso tempo. O lucro desta incitação à dependência reverte para os laboratórios farmacêuticos. Os produtos de síntese, tais como benzodiazepínicos, revelam-se eficazes contra a dor de existir. E o toxicômano pode, enfim, se apoiar na medicina, "ele serve-se da panacéia sem falsos constrangimentos”. (Ibid:120) Melmann vai ainda mais longe em suas considerações:
[...]” a dependência faz parte da constituição do sujeito e cada um se encontra, com efeito, em estado de adição em relação à instância subjetiva que representa o falo, cuja falta provoca angústia quando é ocasional e psicose quando é definitiva. A angústia em relação à falta é muito próxima daquela do toxicômano em estado de falta e pode servir, como a dele, para alimentar um gozo. A diferença fundamental é que esta instância fálica é primordialmente simbólica e imaginária, enquanto a dependência toxicomaníaca é real.” (Melmann,1992:79), logo depreende-se que, no caso da toxicomania, o objeto é real e não semblante e, ao contrário do que se pensa, é a falta que é celebrada. Enfim, para Freud em relação ao objeto da pulsão, ele não tem nenhuma importância, ele é totalmente indiferente, e com Lacan, que o circuito pulsional contorna o objeto, enquanto elemento faltoso. Trata-se, portanto, na toxicomania, de um objeto real, mas, ao mesmo tempo, obscuro.
Nesse sentido, o que parece fundamental é pensar a relação do sujeito com a demanda do Outro, pois o recurso ao consumo de álcool parece ser um modo de resposta aos impasses do sujeito face à castração. Ao invés de um trabalho de simbolização, ou seja, frente à "exigência de trabalho feita ao psiquismo em decorrência de sua ligação com o corpo" (Freud, 1915), o sujeito responde com uma ação, ingerindo um “tóxico”; a intoxicação adquire segundo Freud, a forma de uma “construção auxiliar” (Hilfsconstruktionen) capaz de atenuar o mal-estar (Freud, 1930:93).
O luto também faz parte do funcionamento do dependente em álcool, assim como em qualquer outro indivíduo. O luto é uma das experiências mais universais desorganizadoras e assustadoras que vivem o ser humano, entretanto a forma como indivíduo irá viver seu luto é que identificará um surgimento de uma patologia (melancolia) ou desenvolvimento de um processo normal de perda.
Para a criança, segundo Melanie Klein (1981), ela deve ter absoluto acesso as experiências do luto desde o peito materno, é como ela tem esse acesso que ajudará num desenvolvimento normal do luto. E não é por outro motivo que Kluber-Ross (1997), afirma que o luto não deve ser escondido da criança, assim ela vai perceber que a morte faz parte da vida. A criança aprende que se podem ultrapassar tristezas, apoiando-se nos outros. É como se aprende a lidar com este luto ainda criança que vai nos dar condições de elaborar novos lutos na vida adulta, que seria a prova da realidade descrita por Freud (1916), Melanie Klein (1981).
Passamos por essas fases de luto muitas vezes em nossas vidas, fazendo-se necessário olharmos para nós mesmos e reinvestirmos nossa energia, vivendo dia-a-dia até que tenhamos ultrapassado esses momentos difíceis. Podemos, no entanto, aprender a conviver com a dor, se o trabalho de luto for bem sucedido, pode levar a enriquecimento, transformando-a (sublimação) em um movimento positivo que possa ajudar ao mundo e a nós mesmos.
Faz-se importante ressaltar que, o terapeuta deverá saber diferenciar o processo de luto, normal e a melancolia (Freud, 1916) ou luto patológico Melanie Klein (1981), podendo assim traçar um diagnóstico do paciente.
Aqui é importante frisarmos que, na terapia com alcoolistas, constata-se que o luto se faz presente no momento em que o paciente perde o interesse pelas coisas que o rodeiam, família, amigos, trabalho, passando a ser “fantasmas” na vida deste. Para Zimerman (1999), no luto é necessária a elaboração da perda de um objeto amado, este introjetado no ego sem conflitos. Porém, na melancolia, esta introjeção do objeto perdido, por morte ou abandono, ocorre de forma contraditória, complexa e conflituosa. Muitas vezes na condição em que se encontra o alcoolista, devido à quantidade de medicamentos que este tem que ingerir por dia, ao afastamento de seus entes queridos, perda da sua identidade social dentre tantas outras coisas, fica impossibilitado de recorrer a suas defesas psíquicas, ficando com seu aparelho psíquico muito vulnerável. Assim, é possível concordar que tudo isto está relacionado ao fato de que na vida do ser humano existem diversas situações em que são caracterizadas por perdas, como por exemplo: perdas de pessoas, de situações, de papéis, dentre outros, e que em conseqüência disto, o luto deve ser elaborado, e nem deverá ser uma experiência negativa, mas uma elaboração importante, necessária e construtiva (Monteiro & Lage, 2007).
Já Alonso-Fernandez (1991), pontua que, os alcoolistas, normalmente, apresentam os seguintes traços em comum: a vivência da solidão, a desesperança e a imposição do presente anônimo e passivo. No que diz respeito à vivência da solidão, o autor chama a atenção para a condição de isolamento do sujeito desde a infância devido à omissão do outro, em oferecer-lhe amor, isto era perceptível no meu paciente. Deste modo, o outro é visto por ele como um ser onipotente e ameaçador que pode e quer destruí-lo, desencadeando, assim, um conjunto de reações emocionais que nutrem seu sentimento de inferioridade física, psicológica e intelectual, fazendo com que o alcoolista recorra sempre à insinceridade como mecanismo de defesa na sua convivência cotidiana. O sentimento de solidão é devastador e insuportável porque se assenta no aniquilamento de suas esperanças decorrentes da frustração afetiva.
Predomina na vida do alcoolista o estreitamento da sociabilidade e o enfraquecimento dos relacionamentos interpessoais. Apesar do isolamento social, parte dos alcoolistas mantém algum tipo de vínculo com os familiares e desejos de retorno à vida normal. O autor acredita que a fragilidade dos vínculos sociais se origina principalmente nas circunstâncias sociais precárias em que esses vínculos se formam e se mantêm. Geralmente, são sujeitos colocados fora das disposições estruturais de um dado sistema social, ou que voluntariamente se afastam dos padrões de comportamento dos membros que têm status e função dentro daquele sistema.
Considerações Finais:Dentro deste contexto da toxicomania, podemos perceber que este é tido como um modo de vida onde o sujeito foge do mundo, onde não suporta mais a irrupção de afetos opressivos e vai a busca desse mais gozar, gozo pleno, sem limite e sem barreiras que, por muitas vezes, pode conduzi-lo à morte.
Ao nível da subjetividade, ele vai depender do caráter efetivo das operações incluídas na castração e ao nível do social, ele passa a reencontrar no real o objeto perdido do gozo. Trata-se de um sintoma do desejo que vai refletir no sintoma do social.
Independentemente das estratégias disponíveis e da abordagem teórica utilizada pelo psicoterapeuta, é preciso considerar que cada paciente é singular, necessitando de intervenção específica de acordo com suas necessidades e motivações. Para além da assertividade da escolha dos modelos, a efetividade do tratamento começa pela satisfação demonstrada pelo paciente. Isto inclui dizer também que, qualquer que seja a abordagem adotada pelo psicoterapeuta – Cognitivo Comportamental, Psicodinâmica, Psicanálise, ou tantas outras o que se oferece é um conjunto de teorias e técnicas às quais deve-se manejar por meio de nossa sensibilidade e experiência,em acordo com a relação singular que cada paciente estabelece ao longo do processo.
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